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O Porto a ptria das camlias

O Porto a ptria das camlias
No Jornal de Notcias , Maro de 2006

Em 1890, o escritor francs Georges de Saint-Victor (em "Souvenirs et Impressions de Voyage") inventou uma das mais belas - seno a mais bela - designaes para esta cidade "O Porto a ptria das camlias". E acrescentava: "At nos cemitrios as h". A ideia seria, depois, retomada por Alberto Pimentel (1925): "Camlias ou rosas do Japo, o que certo que elas fizeram do Porto a sua ptria adoptiva". Poder-se- dizer coisa mais emocionante sobre algum lugar? Sobretudo sobre um espao que nos habitumos a olhar sem, muitas vezes, nos apercebermos dos pormenores significativos que definem uma cultura e afirmam uma identidade.
Disse cultura. E que outra palavra poderamos utilizar englobando o amor, o jeito, a arte, a cincia, o convvio que enraizaram a tradio de cultivar a rosa japnica (conforme os romnticos), japoneira (conforme o povo), a camlia (conforme todos ns), to firmemente enraizada no burgo? Cultura, sim, desde - ao que sabemos - o sculo XVI, quando as primeiras camlias foram plantadas na Pennsula, nos jardins ainda hoje esplendorosos do Pao de Campo Belo. (J estou a ouvir alguns "Mas isso Gaia. No Porto". Interessam-me pouco tais autarcias. o mesmo rio, a mesma terra, o mesmo falar, a mesma gente, a mesma gnese, a mesma histria. As mesmas camlias).
Cultura, sim. Pois que outra aptido, outro saber poderiam ter produzido uma coleco de espcimes que o Horto das Virtudes, volta de 1900, catalogava em cerca de 606 variedades (184 das quais de criao portuguesa)? Cultura e, claro, cho. Cho de solos fundos, antigos, bem molhados e drenados sob cus chuvosos. Chos musguentos. De hmus frtil. Invernos agrestes, morrinhas trespassantes, nevoeiros pesados, chuvas embirrentas. Tudo junto formando o ambiente perfeito para o crescimento da Alba-plena- (a minha camlia branca), da Reticulata, da Gouveia Pinto, da Saudade Martins Branco (que agora soube ter sido dedicada - honra de uma cidade insubmissa - memria do estudante Joo Martins Branco, assassinado pela polcia nos confrontos da vspera de 1 de Maio de 1931), da Aunt Rosalie, da Perfeio de Vilar d'Allen, etc., etc.
No consigo entender a razo porque, na ptria das camlias, no tem lugar, anualmente, no melhor recinto, um grande festival das camlias. Competente e rodeado de condies logsticas e promocionais de modo a atrair visitantes nacionais, galegos, espanhis e, por a fora. Um festival chamando ao burgo os apaixonados europeus das camlias? E no isso que uma cidade economicamente deprimida exige? Acontecimentos relevantes, que a relancem, prestigiem e transformem em plo de seduo, entretenimento e requinte, atravs da projeco do seu patrimnio? E mais estamos espera de qu, para, em comum com a ptria-irm galega, organizar um festival europeu da camlia, repartido anualmente entre o Porto e uma cidade daquele outro cho das japoneiras?
Estamos espera de ver camlias transplantadas para o Terreiro do Pao, para depois nos queixarmos do centralismo?

Depois de uns anos de luto, em que a ptria das camlias se esqueceu que o era, graas iniciativa de uns quantos amantes do "juvenil frescor" das rosas do Japo, de uns esforados que no perderam o respeito por uma faceta essencial da personalidade portuense, as camlias vo regressar, este fim-de-semana, ao Mercado de Ferreira Borges. Retomando a tradio das exposies dedicadas mais bela das flores, que pinta, nos invernos tripeiros, a beleza das "suas manchas alvas como a neve e rubras como o sangue" (Armando de Lucena) a teremos as camlias, durante dois dias.
Fao votos para que a resposta do pblico - de todos os que ainda no se submeteram civilizao do plstico e mentalidade do cimento - seja demonstrativa do apego da cidade flor que, por excelncia, a simboliza e torne evidente o absurdo desinteresse pela nossa prpria alma, que a no realizao destas exposies de camlias tem demonstrado.


2008-02-26

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